BALUARTE DA UMBANDA - MÃE OTACILIA
Rubens Saraceni:
Hoje trazemos para vocês uma pessoa excepcional, um exemplo para todos
os Umbandistas. Trazemos para entrevistar nessa semana Mãe Otacília de
Iemanjá. Senhora Otacília Firmino dos Santos. Sinta-se à vontade para
nos falar um pouquinho sobre quem é Mãe Otacília de Iemanjá.
Mãe Otacília: Mãe
Otacília de Iemanjá é uma pessoa que trabalha pela Umbanda desde 1954. O
meu começo na Umbanda foi um sofrimento muito grande. Quando a luta
começou, aconteceu a perda do meu esposo e outros problemas em
família. Mas graças a Deus eu consegui superar tudo, exercendo a função
que eu tenho junto a Umbanda, que é a enfermagem. Eu faço partos, visito
crianças que estão em más condições, ajudo muito aquelas pessoas menos
favorecidas que precisam de um médico ou chegar ao hospital para ser
atendidos, consigo leitos para crianças desfavorecidas, e o que eu mais
faço dentro da Umbanda é ajudar pessoas idosas, que para mim é um
prazer muito grande. Alguns familiares não aceitam muito bem esse meu
trabalho de ajudar o próximo. Mas eu, como mãe que criei meus filhos
quase sozinha, ajudo os velhinhos com agasalho, com palavras, com
orientação em família, porque a Umbanda não é só religião, a Umbanda
também é amor, é carinho, é dedicação, é passar a mão na cabecinha
daqueles que estão mais desprezados, que às vezes não encontram uma
família para dar apoio. Então, nós verdadeiros Umbandistas devemos
ajudar com muito carinho essas pessoas que tanto precisam. Esse é o meu
papel de mãe.
Rubens Saraceni:
Embora não aparente, a senhora tem 77 anos de vida com muito trabalho e
dedicação. Do alto dos seus 53 anos na Umbanda, como era nossa
religião quando a senhora começou em 1954?
Mãe Otacília:
A Umbanda era linda e maravilhosa, não tinha preconceito, não tinha
vaidade, não tinha folclore. A era muito bem vista, mas era uma Umbanda
pobre, simples, cheia de amor, carinho e dedicação. Só faltava, como
hoje ainda falta, um maior prestígio, que mostre realmente o que é
Umbanda. Agora Deus iluminou e apareceu alguém que está começando a
mostrar a Umbanda como ela merece.
Rubens Saraceni:
A senhora falou uma coisa que eu via nos umbandistas do passado, que
era um grande amor pela Umbanda, era um amor que vestia uma camisa não
era?
Mãe Otacília: Uma camisa bem vestida e bem respeitada.
Rubens Saraceni:
A Umbanda recebeu muitas críticas por parte de outras correntes
religiosas contrárias. A senhora chegou a passar por constrangimentos,
ou se sentiu magoada ao ver pessoas falando mal dos Orixás, dos Guias
que nós tanto respeitamos?
Mãe Otacília: Sim, muito. Mas superei a tudo porque quando a gente tem fé e respeita os Orixás a gente passa por tudo e segue em frente.
Rubens Saraceni:
Sim... Cada um vai colher o seu retorno no tempo certo não é? Foi por
volta dos 22 anos que a senhora desenvolveu sua mediunidade?
Mãe Otacília:
Eu comecei junto com o meu marido na casa do senhor Juca, um pai de
santo muito humilde. Nós começamos construindo o terreiro, levantando a
casa no bairro do Rio Pequeno e foi de lá, que 8 anos depois eu saí para
abrir minha própria casa, quando conheci Jamil Rachid.
Rubens Saraceni: Há quanto tempo a senhora está filiada à União de Tendas?
Mãe Otacília: Cerca de 45 anos.
Rubens Saraceni:
Por volta de 1970 houve uma explosão de centros de Umbanda na cidade
de São Paulo. A senhora acredita que foi nessa época que se perdeu a
pureza inicial?
Mãe Otacília:
Realmente acho que foi sim. Faltou orientação e por causa de certas
atitudes sem um propósito espiritualista, a Umbanda ficou com seu nome
tão desfalcado. Mas tenho certeza que com essa orientação, com essa sua
vontade, o senhor vai conseguir pôr ordem na nossa religião, em nome de
Iemanjá.
Rubens Saraceni:
Algumas pessoas que me procuram, abriram seus centros porque seus
guias pediram para que começassem, mas eles estavam despreparados.
Atenderam o pedido de começar o trabalho, mas com muita insegurança de
não saber como proceder e conduzir uma casa. A senhora também tem se
deparado com essas pessoas?
Mãe Otacília: Muito. E tenho procurado ajudá-las quando possível.
Rubens Saraceni: Não é um aprendizado que se adquire num livro não é?
Mãe Otacília:
É verdade. Como meu tempo e meu espaço são poucos, geralmente eu
encaminho essas pessoas para quem eu conheço, que tenha mais capacidade,
mais tempo e que esteja preparado para poder dar uma palavra.
Rubens Saraceni: A senhora sentiu essa insegurança também?
Mãe Otacília:
Sem dúvida. Comecei numa gira de Cosme Damião e na próxima foi Preto
Velho, onde eu vi que me perdia, não sabia onde estava e vi que
realmente existia espiritualidade porque até aí eu era muito confusa,
indecisa, mas depois do Preto Velho veio o Caboclo e eu comecei a
perguntar e a ter muita intuição. Levei muitas perguntas ao Pai Jamil, e
ele falava: “Filha você tem que seguir, tem que abrir sua casa, você
não pode ficar na casa dos outros porque você tem a sua própria
cabecinha, sua intuição, seus Caboclinhos, e você tem que ter uma
espiritualidade diferente na sua casa”.
Rubens Saraceni: A senhora faz idéia de quantos médiuns já passaram na sua vida nesses cinqüenta anos?
Mãe Otacília: Nossa é muita gente! Fora os partos que eu tenho feito, não existe quantidade porque foram vários.
Rubens Saraceni:
Como juntar a espiritualidade que é um dom, com essa mão para o parto
que é outro dom. Como começou essa coisa de fazer partos?
Mãe Otacília:
Eu sou auxiliar de enfermagem, trabalhei a vida inteira e sempre
tive esse dom de ajudar o próximo. Desde que eu deixei a enfermagem
nunca parei, sempre fazendo curativos, ajudando um e outro. Como o
senhor sabe, a Umbanda é 24 horas, como um pronto socorro, aí aparecem
aquelas que estão esperando neném, vão ao médico, e ele manda voltar
para casa. Quando eu vou olhar, a criança está nascendo e eu ajudo.
Rubens Saraceni:
O Ogã Juvenal, filho da Mãe Otacília me disse que ela fez cerca de 600
partos, inclusive na praia. Mãe Iemanjá que é a mãe da maternidade
sempre se manifestou muito forte na sua vida não é?
Mãe Otacília:
Sempre. E tanto os que nasceram na minha casa como esses que nasceram
na praia são crianças saudáveis, benéficas, todas se formaram, todas
são gente boa. Sinto um orgulho muito grande de ser respeitada por
eles.
Rubens Saraceni:
Sua disposição aos 77 anos de idade nos estimula a acreditar que a
espiritualidade nos fortalece. Nós sabemos que o espírito quando
incorpora, ao contrário do que algumas pessoas andam espalhando por aí
que ceder seu corpo ao espírito, incorporar faz mal; nós que somos
médiuns e temos consciência disso que quando o espírito incorpora em nós
ele faz a caridade dele e quando ele vai embora ele nos deixa melhor do
que quando nos encontrou não é verdade?
Mãe Otacília:
Sim é verdade. Às vezes, quando um filho com uma dorzinha de cabeça diz
que não poderá vir, eu respondo: Venha, você vai voltar curado. Às
vezes eu desço indisposta, e quando eu subo, volto nas nuvens.
Peguei um monte de energia que eu nem sei como retribuir.
Rubens Saraceni:
Teve um tempo que tinham muitos jovens no centro se desenvolvendo mas
precisavam se afastar por precisar de um emprego, retomar os estudos. A
senhora já passou por isso também? De fazer o bem e ver os médiuns se
afastando não porque eles quisessem, mas porque a vida material
obrigava?
Mãe Otacília:
Várias vezes. Principalmente com aqueles que estudam e trabalham e
entram em dificuldades por perder provas por causa do horário do
trabalho espiritual. No começo, a gente acha que a atitude deles é
suspeita, mas acaba entendendo as suas necessidades.
Rubens Saraceni: A senhora poderia falar um pouco do Pai Ventania e Pai Caxambu para as pessoas que não conhecem esses Caboclos?
Mãe Otacília:
O Caboclo Ventania e o Caboclo Caxambu são caboclos que fizeram tantas
coisas boas, tem tantas recordações bonitas levadas por pessoas que já
se foram... Acho que quem realmente pode falar são as pessoas que
freqüentam a casa e sabem que o Caboclo Ventania e o Caboclo Caxambu
que incorpora em minha irmã, bem como o Preto Velho Bate Cambinda são
Guias aos quais eu tenho muito desejar em agradecimento, porque só
dizer obrigado é muito pouco.
Rubens Saraceni: Alguns médiuns se espelham em determinado Guia, esperando que o deles faça a mesma coisa, esperando que sejam iguais.
Mãe Otacília:
É verdade, a gente tem que frisar muito isso. Dentro da Umbanda não
deve haver imitação. Cada Guia ou Mentor tem a sua própria consciência
porque o médium não está morto, ele está vendo tudo o que está
acontecendo e não deve copiar nada. Colares, guias, é legal que vocês
gostem, achem bonito, mas isso não é espiritualidade é vaidade;
espiritualidade está dentro da cabecinha de cada um, do coração de
cada um. Tenho certeza de que se houver um Orixá, um Caboclo ou Preto
Velho ele usará sua intuição para passar o que for necessário. Não vale a
pena ficar copiando nada dos outros.
Rubens Saraceni:
Outra questão é enfrentar os problemas decorrentes de se manter um
templo aberto. A senhora tem visto pessoas fechando suas casas?
Mãe Otacília:
Muitas pessoas, não tem mais condições de manter uma casa aberta porque
pagam aluguel, não tem emprego ou dinheiro suficiente. Uns a gente
tenta ajudar a retornar, a fazer seu barraquinho, mas nem todos a gente
pode socorrer na hora certa.
Rubens Saraceni:
A Umbanda é caridade, é doação, o médium doa sua matéria e a
espiritualidade trabalha o tempo todo beneficiando as pessoas sem exigir
nada em troca. Então chega um momento que há um estrangulamento na
vida daquele médium, porque ele deixa até o emprego dele para se
dedicar a espiritualidade sem ter um retorno financeiro não é?
Mãe Otacília:
Sim, é verdade. Por não ter um emprego, não poder pagar o aluguel, as
coisas se complicam... Aí deixam de ter tempo de cuidar da religião
porque eles precisam ter dois dois empregos para sustentar as
necessidades da casa... Geralmente eu digo: “Meu filho não é por aí, eu
tenho certeza que você vai se encontrar porque quando a gente quer e
persiste consegue aquele sonho que é a Umbanda não é? E quando sim,
aparece uma casinha, aparece um emprego...
Rubens Saraceni:
A senhora resumiu tudo: A perseverança tem que estar presente na vida
daquele que recebeu uma missão, porque não é fácil. Antes, é trabalhoso,
tem que se dedicar mesmo, e a recompensa é o enriquecimento do ser. Nós
esperamos que os jovens umbandistas comecem a olhar para os mais
velhos, que estão há mais tempo na estrada e já cumpriram uma grande
missão, e que continuam a cumprí-la com o mesmo ânimo, o mesmo prazer
com que começaram lá atrás. A senhora se sente menos animada hoje?
Mãe Otacília:
Não! Me sinto vitoriosa por ter conseguido e estar conseguindo muita
coisa que eu não esperava. E digo a vocês crianças: “Vão em frente!” A
Umbanda é uma religião linda e maravilhosa, mas sem vaidades, sem
orgulho, sem hipocrisia e muita simplicidade.
Pai Rubens Saraceni.
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